O Texto abaixo foi escrito a partir das atividades que desenvolvi no Mês do IDOSO em 2010, em parceria com a APORTA e COMUI (veja os registros aqui). Ele será publicado em jornal do Sindicato que acolhe a APORTA em sua sede.
Eu tive um avô. Um avô que eu viajava duas vezes por ano para encontrar. Um avô seguro, de presença, um avô que olhava fundo em nossos olhos e dizia as suas verdades. Um avô que se sentava de noite, ao luar e seus netos se aproximavam para ouvir histórias. Ali, na noite escura rodeados de galinhas empoleiradas e ruídos dos animais da fazendo ele nos narrava histórias de caçadas e de assombrações. Todos tremíam de medo, mas ninguém arredava o pé, pois era excitante viver cada emoção até o final. Ele fazia gestos e vozes e o mais marcante era como ele se sentava: na beira do assento, pernas abertas, coluna ereta e toda a atenção dispensada a nós seus ilustres ouvintes. Sim, nós éramos ilustres, pois tivemos o privilégio de ouvir algo sobre um passado ancestral, de conhecermos nosso herói, de recebermos informações que desvendavam quem era este avô, este homem. Ali, nas entrelinhas escondiam-se histórias ancestrais, a mensagem intergeracional que foi também transmitida sutilmente nos gestos, nas posturas e no dia a dia do convívio e que são o arcabouço que nos cerca dia a dia.
Raramente nos perguntamos por que alguém é como é, faz o que faz. Aliás, talvez porque nossos pais e avôs sempre estiveram ali, fizeram o que fazem, os conhecemos assim... Nem imaginamos que suas escolhas e vivências do passado nos atingem de forma contundente.
Feliz a pessoa que pôde ouvir histórias de vida. Feliz a pessoa que pode saber da época em que não era nascida, mas mais feliz ainda pode ser quem ouve histórias dos seus antepassados, histórias que preenchem delicadamente sentidos do aqui e agora. A tradição oral já foi a única forma histórica de revelar o trajeto dos grupos de pessoas, comunidades ou tribos à sua contemporaneidade. Com a escrita pudemos garantir que um curioso qualquer descubra registros históricos e desvende partes do passado, mas certamente não constará no livro os olhos nos olhos, a atenção especial ou a emoção revisitada da narrativa de quem viveu o fato. Ganhamos e perdemos.
A narrativa é uma possibilidade de encarnarmos o ouvir e o partilhar e acrescentarmos valor às histórias e a quem as conta. Em comunidades passageiras, se é que isto é possível, junta-se a gente para ouvir histórias pelos cantos criativos da cidade quando o contador diz “Era uma vez...”. Mas será que é preciso ser artista, treinar, ser exímio nesta arte? Outras narrativas nos são possíveis? As pessoas idosas são um tesouro vivo de acontecimentos passados e presentes. Dar voz às histórias destas pessoas significa qualificá-las no presente e nos envolvermos com seu passado. É um enriquecimento mútuo. Sem dúvida, contar histórias de vida – com a facilitação da Arteterapia – constitui um meio de fortalecer a identidade dos participantes. A atualização de fatos e contextos pode ser um caminho fantástico para a própria cura. A cura que resgata o valor de si, que enche a alma de orgulho por ter passado o que passou, que traz o reconhecimento do herói que somos ao trilharmos o percurso histórico da nossa própria vida.
A contação de histórias começa a re-nascer na atualidade como uma urgência do contato humano, criando também a oportunidade de compartilhar vivências. Desvendar o que nos une. Não é a literatura que está no foco, mas a capacidade de falar e ouvir, a troca humana emocionada. A atenção resgata quem ouve e quem fala na sua humanidade, na troca humana. Estamos carentes de ouvidos, estamos carentes de quem nos ouça, desaprendemos a ouvir um ser presente, todos querem falar e assim, não ouvimos. Do diálogo, muitas vezes restam solitários monólogos a dois. Aprender a qualificar o que falamos, concedendo esta fala a importância que um ouvinte interessado pode trazer é a descoberta que a narrativa pode ser uma forma singela de preenchermos de sentidos nossas vivências e existência.
Oficina em 13/10/2010 - Grupo Revivendo para a vida - UNIRITTER
Oficina em 13/10/2010 - Grupo Revivendo para a vida - UNIRITTER
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